Os sentidos: Descartes, Kant, Austin

Por acaso, trompei ontem com o seguinte trecho da Crítica da Razão Pura (1781) de Kant :

“Ainda menos se deverão considerar idênticoso fenômeno e a aparência. Porque a verdade ou a aparência não estão no objeto, na medida em que é intuído, mas no juízo sobre ele, na medida em que é pensado. Pode-se pois dizer que os sentidos não erram, não porque o seu juízo seja sempre certo, mas porque não ajuízam de modo algum. Eis porque só no juízo, ou seja, na relação do objeto com o nosso entendimento, se encontram tanto a verdade como o erro e, portanto, também a aparência, enquanto induz este último.” (Kant, na Crítica da Razão Pura, primeiro parágrafo da Dialética Transcendental, sublinhados meus).

De imediato, me vieram também à cabeça Descartes, nas Meditações (1641):

“3. Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-os dos sentidos ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez.” (Descartes, Meditação Primeira, parágrafo 3, meus sublinhados).

E veio também Austin (ao lado de Kant??), no Sentido e Percepção (1959):

“5. Considere-se, a seguir o que se diz sobre o engano dos sentidos. Admitimos, afirma-se, que ‘às vezes somos enganados pelos sentidos’, ainda que, em geral, achemos possível ‘confiar’ nas ‘percepções dos sentidos’.
Em primeiro lugar, embora a frase ‘enganados pelos sentidos’ seja metáfora corrente, não deixa de ser uma metáfora; e isto é digno de nota, pois, no que vem a seguir, a mesma metáfora é freqüentemente retomada e continuada pela expressão ‘verídico’. Na verdade nossos sentidos são mudos – ainda que Descartes e outros falem do ‘testemunho dos sentidos’ -, os sentidos não nos dizem nada de verdadeiro nem de falso.” (Austin, Sentido e Percepção, Cap 2, p 12, Martins Fontes, 2004, meus sublinhados).

Livros:
Austin, Sentido e Percepção: ver na Livraria Cultura.
Descartes, Meditações Metafísicas: ver na Livraria Cultura.
Kant, Crítica da Razão Pura: ver na Livraria Cultura.