Textos clássicos da filosofia #3: Sócrates e sua apologia

Previamente, tratamos de Homero e Hesíodo e de alguns filósofos pré-socráticos. Desta vez, falamos sobre Sócrates a partir da Apologia de Sócrates, escrita por Platão. Os principais elementos do contexto da vida e filosofia socrática são o advento da democracia ateniense e o movimento dos chamados sofistas.

Informações básicas:

  • Homero e Hesíodo (VIII-VII a.C.)
  • Hesíodo (entre 750 e 650 a.C.; Grécia antiga; atual Turquia; Os trabalhos e os dias; Teogonia).
  • Tales de Mileto (aproximadamente 624 a.C-547 a.C.)
  • Heráclito de Éfeso (VI a.C – V a.C.) [fogo] [logos, conhecimento]
  • Demócrito de Abdera (460 a.C. – 370 a.C) [átomo]
  • Gorgias (483 a.C – 375 a.C.)
  • Protagoras (c. 490 a.C. – c. 420 a.C.)
  • Sócrates (c. 470 a.C. – Atenas, 399 a.C.)
  • Platão (427 a.C. – 348 a.C., Atenas)

Os sofistas:

“Os gregos estavam ‘experimentando uma nova forma de governo, a democracia’ (W. Keith, 5). Portanto, eles estavam explorando como tomar decisões sem uma autoridade superior. Eles precisavam criar leis baseadas na demanda e no voto popular. No século V a.C., eles não tinham meios de comunicação de massa, imprensa e quase nenhum texto. Eles dependiam principalmente da fala. Isto significava que ‘os atenienses precisavam de uma estratégia para falar eficazmente com outras pessoas em júris, em fóruns e no Senado’ (W. Keith, 5). Foi então que os sofistas começaram a surgir. Originalmente conhecidos como sicilianos, eles começaram a ensinar os atenienses a falar de maneira persuasiva para trabalhar com os tribunais e o Senado. Não se sabe realmente como esses sicilianos, que se tornaram sofistas, inicialmente desenvolveram interesse em ensinar aos outros como falar de forma persuasiva. No entanto, o interesse em receber formação dos sofistas aumentou (The Origins of Rhetoric Keith & Lundberg)” (traduzido daqui).

Fragmento da Apologia de Sócrates:

“Examinando esse tal – não importa o nome, mas era, cidadãos atenienses, um dos políticos, este de quem eu experimentava esta impressão – e falando com ele, afigurou-se-me que esse homem parecia sábio a muitos outros e principalmente a si mesmo, mas não era sábio. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí me veio o ódio dele e de muitos dos presentes. Então, pus-me a considerar, de mim para mim, que eu sou mais sábio do que esse homem, pois que, ao contrário, nenhum de nós sabe nada de belo e de bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber. Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele, nisso – ainda que seja pouca coisa: não acredito saber aquilo que não sei. Depois desse, fui a outro daqueles que possuem ainda mais sabedoria que esse, e me pareceu que todos são a mesma coisa. Daí veio o ódio também a este e a muitos outros.” (Platão, Apologia de Sócrates).

Fonte:

Platão. Apologia de Sócrates. (Acessível aqui).

Quanto tempo é necessário para escrever um artigo de filosofia?

Ao longo dos três últimos anos monitorei o tempo que gasto com tarefas do trabalho (com esta ferramenta), inicialmente de modo mais amplo e depois apenas com foco em atividades relacionadas à pesquisa. Os objetivos iniciais do monitoramento combinavam um pouco curiosidade e busca de autoconhecimento, a necessidade de manter um registro para relatórios ao final do semestre e também uma pretensão de entender em que medida a atividade de pesquisa era compatível com a carreira de professor de um instituto federal.

Infelizmente, no período em questão, não monitorei o ciclo completo de nenhum trabalho (do início do planejamento à publicação) e por isso a pergunta do título ficará sem uma resposta mais direta. Mas os registros relacionados à revisão de dois artigos surpreenderam-me bastante e é com base neles que faço algumas considerações.

Em cada uma das revisões consideradas, tinha em mãos uma versão completa provisória de um artigo (já submetida a periódicos especializados) e, com base nas considerações de pareceristas dessas revistas, fiz revisões substantivas em cada um dos artigos. Essas revisões envolveram ler itens bibliográficos novos e repensar, reorganizar e reescrever porções substativas do texto. Uma das revisões levou cerca de 100 horas (artigo sobre reforma das práticas de responsabilização) e a outra levou aproximadamente 200 horas (artigo sobre a evolução dos juízos sobre responsabilidade). Noto que o primeiro artigo tinha uma trajetória anterior mais longa de elaboração e revisões que não foram computadas.

Embora haja relatos de trabalhos de filosofia que levam vários anos para serem elaborados e publicados, não encontrei relatos mais refinados sobre o tempo efetivamente empregado neles. Assim, essas observações poderão não ser representativas da atividade de outras pessoas. Mas, supondo que guardem algum grau de generalidade, podemos elaborar algumas considerações.

  • Se a elaboração da versão inicial levar pelo menos o mesmo tempo do que uma revisão substantiva (apostaria que leva mais), então a escrita de um artigo somada a uma única revisão substantiva pode levar entre 200 e 400 horas de trabalho.
  • Para alguém que trabalhasse 40 horas semanais dedicadas exclusivamente à leitura e à escrita, a escrita de um artigo levaria entre 5 e 10 semanas de trabalho.
  • No Instituto Federal Farroupilha, onde trabalho, coordenadores de projetos de pesquisa dedicam (em princípio, segundo as normativas institucionais) 6 horas semanais a atividades de pesquisa, que incluem também atividades de orientação de estudantes, formulação de projetos e relatórios. Um pesquisador que conseguisse dedicar 5 horas semanais à leitura e à escrita levaria entre 40 e 80 semanas para publicar um artigo. Na prática, sem trabalhar em períodos de férias, o pesquisador conseguiria publicar um artigo a cada um ou dois anos, sem considerar que o trabalho fragmentado pode ser menos eficiente.

Apesar de limitadas e pouco generalizáveis, penso que informações com as acima são necessárias se quisermos tomar boas decisões nas esferas individuais, institucionais e mesmo em políticas públicas relacionadas às áreas de educação e pesquisa. Creio que não haja um entendimento coletivo na filosofia brasileira, por exemplo, sobre quão produtivo um professor de instituto federal ou de um programa de pós-graduação deveria ser em termos dos resultados de sua atividade. E creio que normativas institucionais como a que prevê seis horas semanais dedicadas a um projeto de pesquisa não estejam ancoradas em uma visão realista sobre as condições necessárias para o desenvolvimento dessa atividade. De modo ainda mais amplo, podemos levantar questões sobre o custo da atividade de pesquisa, sobre o que podemos esperar de estudantes de pós-graduação e de iniciação científica, entre outras. Os gregos já sabiam que viabilizar o tempo livre era condição necessária para a vida teórica.

Textos clássicos da filosofia #2: Filósofos pré-socráticos

Esta semana dá sequência à atividade introdutória sobre Homero e Hesíodo. Desta vez, tratamos dos chamados filósofos pré-socráticos. A seguir temos um conjunto de informações para contextualização sobre o período (alguns nomes, datas e principais temas), algumas citações sobre o termo grego ‘physis’, que é central no período e uma seleção de fragmentos do filósofo Heráclito. Há algumas sugestões de leituras adicionais ao final.

Informações básicas:

  • Homero (VIII a.C.; Ilíada e Odisséia)
  • Hesíodo (entre 750 e 650 a.C.; Grécia antiga; atual Turquia; Os trabalhos e os dias; Teogonia).
  • Tales de Mileto (aproximadamente 624 a.C-547 a.C.) [água]
  • Xenófanes de Cólofon (580 a.C – 460 a.C.) [terra] [teologia]
  • Heráclito de Éfeso (VI a.C – V a.C.) [fogo] [logos, conhecimento]
  • Pitágoras de Samos (570 a.C – 495 a.C.)
  • Parmênides de Eléia (VI a.C. – V a.C.)
  • Zenão de Eléia (490 a.C – 430 a.C.)
  • Demócrito de Abdera (460 a.C. – 370 a.C) [átomo]
  • Sócrates (c. 470 a.C. – Atenas, 399 a.C.)

O conceito de physis (além do que entendemos por ‘natureza’):

“Como a physis é o conceito fundamental de todo o pensamento pré-socrático, cabem aqui algumas breves observações introdutórias ao tema” (Borheim, 1993, p. 11).

  • Significado em Homero: “produzir”, “crescer”.
  • Jaeger: “processo de surgir e desenvolver-se”, “fonte originária das coisas, aquilo a partir do qual se desenvolvermm e pelo qual se renova constantemente o seu desenvolvimento; com outras palavras, a realidade subjacete às coisas de nossa experiência” (pp. 11-12).

Três aspectos fundamentais:

  • Aquilo que por si brota, emerge, surge de si próprio (não-estático). Jaeger: “Dizer que o Oceano é a gênese de todas as coisas é virtualmente o mesmo que dizer que é a physis de todas as coisas” (p. 12).
  • “para os gregos, mesmo depois do período pré-socrático, o psíquico também pertence à physis”. “os deuses gregos não são entidades sobrenaturais, pois são compreendidos como parte integrante da natureza. Em Homero, por exemplo, a presença dos deuses aparece como superior aos homens e ao mesmo tempo como algo que lhes é próximo: os deuses estã opresentes em tudo o que acontece e tudo acontece como que através dos deuses. Esta presença transparece ainda em Tales, na frase que lhe é atribuída: ‘tudo está cheio de deuses'” (p. 12).
  • “A physis compreende a totalidade de tudo o que é. Ela pode ser apreendida em tudo o que acontece: na aurora, no crescimento das plantes, o nascimento de animais e homens.” (p. 13).

Seleções de Heráclito

“1 – Este Logos, os homens, antes ou depois de o haverem ouvido, jamais o compreendem. Ainda que tudo aconteça conforme este Logos, parece não terem experiência experimentando-se em tais palavras e obras, como eu as exponho, distinguido e explicando a natureza de cada coisa. Os outros homens ignoram o que fazem em estado de vigília, assim como esquecem o que fazem durante o sono.”
“8 – Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia.”
“30 – Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida.”
“41 – Só uma coisa é sábia: conhecer o pensamento que governa tudo através de tudo.”
“112 – O bem pensar é a mais alta virtude. E a sabedoria consiste em dizer a verdade e em agir conforme a natureza, ouvindo a sua voz.”
“72 – Sobre o Logos, com o qual estão em constante relação (e que governa todas as coisas), estão em desacordo, e as coisas que encontram todos os dias lhes parecem estranhas.”
“116 – A todos os homens é permitido o conhecimento de si mesmos e o pensamento correto.”

Outros trechos recomendados:

Xenófanes, Sátiras; Zenão de Eléia [“redução ao absurdo”]; Demócrito.

Fonte:

Gerd A. Borgeim (org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1993. (Acessível aqui).

Textos clássicos da filosofia #1: Homero e Hesíodo

Estou organizando um conjunto de atividades extracurriculares. Uma delas é voltada à leitura de fragmentos de textos clássicos da filosofia. Postarei a sequência de atividades aqui, como forma de registro e disponibilização dos materiais a serem trabalhados.

Informações básicas:

  • Homero (VIII a.C.; Ilíada e Odisséia)
  • Hesíodo (entre 750 e 650 a.C.; Grécia antiga; atual Turquia; Os trabalhos e os dias; Teogonia).
  • Tales
  • Heráclito
  • Sócrates (c. 470 a.C. – Atenas, 399 a.C.)

O tema recorrente da passagem do mito à filosofia:

“QUE TERÁ LEVADO o homem, a partir de determinado momento de sua história, a fazer ciência teórica e filosofia? Por que surge no Ocidente, mais precisamente na Grécia do século VI a.C., uma nova mentalidade, que passa a substituir as antigas construções mitológicas pela aventura intelectual, expressa através de investigações científicas e especulações filosóficas?” (Deste volume da coleção Os pensadores, p. 5)

Onde situar Hesíodo?

“A questão de saber se Hesíodo pode ou não ser considerado pertencente à história da filosofia subjaz nossa compreensão da filosofia em seu surgimento. Por um lado, existem linhas significativas de continuidade, tanto formal quanto temática, entre a poesia de Hesíodo e os primórdios da filosofia grega; por outro, os primeiros desenvolvimentos do discurso filosófico podem ser descrito com justiça como uma ruptura com a tradição mitopoética. Uma das principais dificuldades que enfrentamos ao estabelecer algum critério para a demarcação entre os poemas de Hesíodo e a filosofia é a falta de um paradigma inequívoco do discurso filosófico grego antigo. Na verdade, no seu surgimento, a filosofia é mais bem caracterizada por sua diversidade morfológicas e metodológicas.” (traduzido de Leopoldo Iribarren and Hugo Koning, aqui).

Leitura:

“É que os deuses mantêm escondido dos humanos o sustento.
Pois senão trabalharias fácil, e só um dia,
e, mesmo ocioso, terias o bastante para o ano.”

Hesíodo, “Prometeu e Pandora”. (Disponível aqui, p. 65).

Reconhecer altas habilidades e superdotação na escola

Trabalho com vários estudantes que têm algum tipo de diagnóstico que justifica um tratamento pedagógico diferenciado para sua aprendizagem. Na maioria desses casos, os estudantes apresentam dificuldades que exigem algum tipo de suporte especial. Nenhum dos estudantes com que trabalho atualmente apresentou diagnóstico de altas habilidades ou superdotação. Ainda assim, dependendo da definição utilizada, entre 2% e 5% da população se enquadra nessas condições.

Uma parte das razões para baixa identificação de casos de altas habilidades e superdotação se deve à má compreensão do que essas condições representam, seja por falta de uma visão completa ou por se recorrer a estereótipos distorcidos. A parte que por vezes é difícil de entender é que estudantes com essas condições podem apresentar inúmeras dificuldades (em diferentes aspectos, incluindo o aprendizado acadêmico) e também necessitarem de um atendimento diferenciado para renderem tanto quanto seu potencial permite.

Esta tabela de Linda Silverman, adaptada abaixo a partir de sua tradução neste artigo de Angela Virgolim, ajuda a darmos um passo inicial em direção a uma compreensão mais completa e realista dos sinais que podem ajudar a identificar estudantes com altas habilidades e superdotação na escola.

Tabela: Os altos e baixos da superdotação

ASPECTOS FORTESO OUTRO LADOPOSSÍVEIS
CONSEQUÊNCIAS
Apresenta maior nível
de compreensão do que
os colegas de mesma
idade
Acha que a forma de raciocínio
e compreensão dos colegas são
“bobas” e expressa sua opinião
para eles.
Os colegas a evitam; os adultos a
percebem como faladora demais.
A criança perde amigos.
Habilidades verbais
avançadas para a idade
Conversa mais do que os
colegas, que não entendem sobre
o que ela está falando. A criança
quer falar sempre, não dando a
vez aos outros.
Os colegas a percebem como
pretensiosa e superior aos outros,
e a excluem. A criança fica
solitária.
Pensamento criativoResolve problemas de seu
próprio jeito, e não da forma
ensinada pelo professor.
O professor se sente ameaçado,
percebe a criança como
desrespeitosa da figura de
autoridade e decide reprimi-la,
o que estabelece o palco para a
rebelião.
Rápida no pensamentoTorna-se facilmente entediada
com a rotina e pode não
completar suas tarefas. Por outro
lado, pode acabar rapidamente
suas atividades e ficar vagando
pela sala, procurando o que fazer.
O professor pode achar
que a criança é desatenta,
negativa ou com problemas
comportamentais, e que exerce
má influência nos colegas.
Alto nível de energiaPode ser muito distraída,
começando várias tarefas e não
terminando nenhuma.
A criança pode se desgastar
tentando realizar muitos
projetos de uma vez só. Sua alta
energia pode ser confundida
com Transtorno de Desordem
da Atenção e Hiperatividade
– TDAH. Medicação pode
ser sugerida para “acalmar” a
criança.
Grande poder de
concentração
Algumas vezes gasta tempo
demasiado em um projeto; fica
perdida nos detalhes e perde os
prazos de entrega,
Notas baixas, uma vez que as
tarefas não são completadas,
o que causa frustração para a
criança, seus pais e professores.
Pensamento ao nível do
adulto
O pensamento ao nível do
adulto não se faz acompanhar de
habilidades ao nível do adulto,
tais como a diplomacia. Pode
falar coisas de forma rude ou
desconcertante.
Tanto os colegas quanto os
adultos podem achar a criança
rude, ofensiva e sem tato,
passando a evitá-la.
Tabela de Linda Silverman, adaptada abaixo a partir de sua tradução neste artigo de Angela Virgolim.

Reconhecer introversão e extroversão na sala de aula

É comum repetir em contextos educacionais que cada pessoa é diferente, cada criança é diferente, cada adolescente é diferente. É difícil levar esse fato a sério, no lado dos professores e instituições de ensino, pois a escola como um todo é pensada a partir da regra, dos padrões e das repetições. A sala tem trinta estudantes; a sala ao lado mais trinta que estão no mesmo ano, no mesmo curso; o professor, o quadro, o datashow são um só e são difíceis de dividir.

O material citado abaixo ajuda a pensar em algumas características individuais que frequentemente passam desapercebidas (ou talvez, mais propriamente, mal compreendidas) pelo estudante, seus pais, colegas e muitas vezes pelos professores. Se a idealidade de dar um ambiente e estímulo adequados a cada um é distante do alcance, reconhecer essas características pode ao menos prevenir que sejam vistas como problemas do estudante a serem corrigidos, o que pode tornar o ambiente escolar particularmente contraproducente e frustrante.

Introversão e extroversão

Há alguns anos tenho usado como instrumento avaliativo a participação em aula. Trato essa participação como algo bem definido, algo cujo funcionamento os estudantes possam rapidamente compreender: o estudante precisa fazer, durante o semestre, um número mínimo de perguntas, no mínimo úteis para entender os conteúdos trabalhados ou, preferencialmente, filosoficamente interessante, isto é, buscando aprofundamento ou apresentando críticas aos problemas, teses ou teorias estudadas. É fácil ver que estudantes introvertidos poderão ter dificuldades com essa forma de avaliação e, por isso, algumas adaptações precisam ser pensadas.

Introversão e extroversão são modos de um traço da personalidade humana. Uma maneira de entendê-las é como forma de obter e gastar uma energia mental: algumas pessoas cansam-se quando expostas a certos ambientes de interação social (introversão) enquanto outras saem mais facilmente energizadas dessas situações (extroversão). A seguinte tabela contrasta a pessoa introvertida [I] e a extrovertida [E] — a tabela original é de Linda Silverman, adaptada abaixo a partir de sua tradução neste artigo de Angela Virgolim.

Diferenças entre extrovertidos [E] e introvertidos [I]
E: Obtêm energia das interações com outros. I: Obtêm energia dentro deles mesmos.
E: Sentem-se energizados pelas pessoas. I: Sentem-se drenados pelas pessoas.
E: Têm a mesma personalidade, tanto em público quando em particular. I: Tem uma persona e um self interno (mostra o seu melhor self em público).
E: São abertos e confiantes. I: Precisam de privacidade.
E: Pensam em voz alta. I: Ensaiam mentalmente antes de falar.
E: Gostam de ser o centro das atenções. I: Detestam ser o centro das atenções.
E: Aprendem fazendo. I: Aprendem observando.
E: Sentem-se confortáveis em situações novas. I: Sentem-se desconfortáveis com mudanças.
E: Fazem muitos amigos facilmente. I: São leais aos poucos amigos íntimos que possuem.
E: São distraídos. I: São capazes de intensa concentração.
E: São impulsivos. I: São reflexivos.
E: Em grupos gostam de se arriscar. I: Têm medo de serem humilhados; são quietos em grandes grupos.

Como é possível adaptar a exigência de participação através de perguntas em aula com o fato de que uma parcela dos estudantes é introvertida e terá maiores dificuldades, especialmente quando a turma é numerosa e repleta de colegas novos? As possibilidades que tenho adotado são incentivar a participação de todos (afinal, os introvertidos também precisam reconhecer a si mesmos como tais e que esse receio de falar abertamente poderá lhes custar oportunidades em algum momento), mas também oferecer alternativas para os que encontrarem maiores dificuldades em seguir a rota padrão. Algumas dessas alternativas incluem preparar as perguntas em casa e trazer para leitura na próxima aula e, em alguns casos, incentivar o envio de perguntas por e-mail, diretamente ao professor. Em alguns momentos também ofereci a possibilidade de apresentar um ensaio filosófico como substituição para a participação através de perguntas. De um modo geral, a oferta de alternativas serviu para que alguns estudantes tivessem sua participação reconhecida, apesar de preferirem não se manifestar diante da turma toda.

Se levamos a sério o que a psicologia da personalidade nos mostra, não faz sentido achar que, neste ponto, há um problema com a introversão (ou com a extroversão), mas sim entender como cada personalidade opera e oferecer os caminhos mais adequados para potencializar o crescimento e diminuir eventuais perdas. Uma próxima postagem explorará um segundo tema abordado no artigo de Angela Virgolim, as características de estudantes com altas habilidades, que frequentemente também podem manifestarem-se como problema e não como traço individual que exige caminhos peculiares para permitir um maior desenvolvimento dos estudantes.

O que é a música?

“Talvez uma resposta simples poderia ser que a música é uma linguagem do sentimento. […] o milagre da música é que sua linguagem é universal.” As palavras são de Seymour Bernstein, no livro Play life more beautifully. Essas palavras foram uma das inspirações para uma oficina exploratória sobre teoria musical e música clássica que ousei oferecer na Semana Acadêmica deste ano, aqui no IFFar. Parte da atividade consistiu em ouvirmos algumas músicas, as cinco primeiras desta playlist disponível no YouTube. A experiência valeu a pena e as reações dos participantes me pareceram corroborar as palavras de Berstein de uma maneira impressionante.

Sobre o papel da escola e a motivação para aprender

“O mesmo trabalho pode ter origem no medo e na compulsão, no desejo ambicioso de autoridade e distinção ou no interesse amoroso pelo assunto e desejo de alcançar a verdade e o entendimento, e assim naquela curiosidade divina que toda criança saudável possui, mas que tão frequentemente é enfraquecida cedo.”

“O motivo mais importante para o trabalho na escola e na vida é o prazer pelo trabalho, prazer por seu resultado e o conhecimento do valor do resultado para a comunidade. No despertar e reforçar essas forças psicológicas nos jovens, vejo a tarefa mais importante realizada pela escola.” (62)

“O objetivo é desenvolver a inclinação infantil à brincadeira [play] e o desejo infantil por reconhecimento e guiar a criança em direção a áreas importantes para a sociedade […]. Se a escola é bem sucedida ao trabalhar a partir desses pontos de vista, será altamente respeitada pela geração que surge e as tarefas dadas pela escola serão recebidas como um presente.” (63)

“certas condições necessárias podem ser atendidas. Primeiro, os professores devem crescer em escolas assim. Segundo, o professor deve ter vasta liberdade na seleção do material a ser ensinado e os métodos de ensino adotados. Pois é verdade também dele que o prazer na definição de seu trabalho é eliminado por força e pressão exterior.” (63)

“Deve a liguagem predominar ou a educação técnica em ciências? A isso respondo: na minha opinião tudo isso é de importância segundária. Se um jovem treinou seus músculos e resistência física com ginástica e caminhada, mais tarde estará preparado para qualquer trabalho físico. Isso é também análogo ao treinamento da mente e o exercício da habilidade mental e manual. Por isso não estava errado o sábio que disse que a ‘Educação é aquilo que permanece se alguém esquece tudo o que aprendeu na escola’.” (63)

“Por outro lado, quero opor-me à ideia de que a escola tem que ensinar diretamente aquele conhecimento especial e aquelas realizações que se precisa usar depois diretamente na vida. […] Também me parece objetável tratar o indivíduo como uma ferramenta morta. A escola deve sempre ter como seu objetivo que os jovens a deixem como uma personalidade harmoniosa, não como especialistas. […] O desenvolvimento de habilidades gerais para o pensamento e juízo independente devem sempre ser colocados em primeiro lugar, não a aquizição de conhecimento especializado.” (64).

As palavras acima são de Albert Einstein, no texto “On education”, traduzidas a partir do livro Ideas and opinions.

Uma hipótese evolutiva sobre responsabilidade moral

“Julgar que uma pessoa é moralmente responsável envolve acreditar que certas respostas (como punição, recompensa, ou expressões de reprovação ou elogio) podem ser justificadamente dirigidas à pessoa. Este artigo desenvolve uma abordagem sobre a evolução do juízo de responsabilidade moral que adota a teoria das duas etapas da evolução da moralidade de Michael Tomasello e leva em conta também o trabalho de Christopher Boehm. A principal hipótese defendida diz que o juízo de responsabilidade moral evoluiu originalmente como uma adaptação que permitiu a grupos de indivíduos cooperativos responsabilizar aproveitadores [free riders] de modo mais seguro ao agirem de modo coordenado.”

O trecho acima traduz o resumo do artigo “The Evolutionary Roots of Moral Responsibility“, que acabo de ter aceito para publicação na revista Philosophy of Science. A escrita do artigo inicou em 2020 e foi uma jornada muito recompensadora. É uma alegria poder compartilhar o resultado.

Dicas sobre práticas editoriais?

Uma parte do trabalho de mestrandos, doutorandos e pesquisadores em geral envolve aprender a navegar o processo de submissão e publicação de trabalhos, especialmente de artigos e eventualmente também de livros.

Na área de filosofia, foi mais fácil para mim entender como funcionam revistas internacionais do que revistas brasileiras. E isso se deu principalmente pela transparância das próprias revistas e também por relatos compartilhados em blogs de acesso aberto. Por exemplo, é fácil ter uma estimativa sobre quanto tempo várias revistas estrangeiras levam para avaliar e publicar um artigo, e também sobre com que frequência oferecem comentários de boa qualidade aos autores e quais são suas taxas de rejeição.

De modo similar, existe orientação sobre o processo de publicação de livros em grandes editoras, sendo incentivada, por exemplo, a apresentação de propostas (ou projetos) de livros, mais do que a apresentação de um livro já pronto.

Minha percepção é que é muito mais difícil conseguir informações similares sobre revistas e editoras brasileiras. Sobre o processo de publicação de livros, em particular, o site de muitas editoras cobra o envio de material já completo. Bem, um livro é um projeto que exige um investimento de tempo considerável, e seria interessante poder apresentar e discutir propostas com editores potencialmente interessados, talvez para benefício de ambas as partes. Dada essa escassez de orientação, este que vos escreve aceita sugestões de informações relevantes, especialmente sobre o processo de publicação de livros no Brasil, daqueles que tenham passado pela experiência ou que possam indicar onde encontrá-las.