Quando usamos a linguagem, fazemos coisas. Este fato, que ganhou notoriedade com o livro do filósofo John Austin, How to do things with words (traduzido no Brasil como Quando dizer é fazer), aparece sistematizado na teoria dos atos de fala de John Searle. Searle busca mapear o que chama de atos ilocucionários, que descrevo a seguir.
Atos ilocucionários são coisas como enunciar, descrever, avisar, enfatizar, criticar, pedir desculpas, ofender, repreender, criticar, exigir e argumentar. São atos diferentes que podemos realizar mediante a linguagem. Segundo a teoria dos atos de fala, podemos fazer coisas diferentes com a linguagem mesmo quando usamos um mesmo conteúdo proposicional (ver Searle, 1969, p. 23). Vejamos alguns exemplos:
- Pedro fechará a porta.
- Pedro fechará a porta?
- Pedro, feche a porta!
As frases 1–3 cumpririam papeis diferentes quando ditas por um falante, apesar de terem conteúdos muito semelhantes (talvez o mesmo). As três frases envolvem o nome de Pedro e falam sobre Pedro fechar a porta no futuro. O que diferencia o uso que se poderia fazer dessas três frases é o ato ilocucionário que é realizado quando um falante as pronuncia em um determinado contexto. A frase 1, por exemplo, pode ser usada para realizar uma afirmação ou asserção sobre o comportamento futuro de Pedro. Uma asserção é bem-sucedida se seu conteúdo é verdadeiro. Já a frase 2 poderia ser usada para fazer uma pergunta. Seu propósito não é dizer como as coisas são, mas pedir uma informação para um ouvinte. A frase 3, por sua vez, representa um pedido ou uma ordem, e será bem-sucedida se o ouvinte (neste caso, Pedro) realizar aquilo que lhe foi pedido.
Asserções, perguntas e ordens são alguns dos tipos de atos ilocucionários descritos por Searle em sua teoria dos atos de fala. Um aspecto adicional da análise que empreendeu sobre o tema foi a descrição de regras, ou condições, que precisam ser satisfeitas por alguns tipos básicos de atos de fala. Essas regras dizem respeito ao conteúdo proposicional envolvido, a condições a serem satisfeitas pelo falante e pelo ouvinte, entre outras. A tabela abaixo apresenta uma tradução da análise de alguns dos tipos atos ilocucionários discutidos por Searle.
Steven Pinker disse que “Um olhar mais detido em nosso discurso – nossas conversas, nossas piadas, nossos palavrões, nossas disputas judiciais, os nomes que damos a nossos bebês – dá-nos […] indicações sobre quem somos” (p. 9). Entender os tipos de atos ilocucionários envolvidos no uso que fazemos diariamente da linguagem também ajuda nessa tarefa de entender melhor a nós mesmos e nossa relação com o mundo e com outras pessoas. Quando fazemos asserções, estabelecemos um compromisso com a verdade e podemos esperar que nossos pares nos cobrarão por nossas falhas. Quando fazemos uma pergunta, manifestamos uma expectativa de que outros estão em melhores condições de nos apresentarem a realidade. Quando damos uma ordem ou fazemos um pedido, por sua vez, abrimos uma janela sobre as relações sociais humanas, alcançando temas como hierarquia e autoridade.
Referências:
- Austin, John L., Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
- Pinker, Steven. Do que é feito o pensan1ento: A língua como janela para a natureza humana. Tradução: Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
- Searle, John. Speech Acts, Cambridge University Press, 1969.